terça-feira, 17 de maio de 2011

ENCONTRO DE DOIS CORPOS NA MADRUGADA


(DIANA VELOSO:)
Escorreram os veios da ansiedade por um corpo delineado num mar de quatro cantos. Sentiu-se desejo tremulo a contorcer na voz que vinha de longe...
Entre provocações escritas e respirares de desejo, a espuma ia-se instalando ...nas beiras da chávena quente de café e a colher mexendo-se incansavelmente em movimentos repetidos...!
Foi esta uma viagem de cerimónia, em que o traje resumia-se á pele nua fervendo dançando entre as ondas inventadas!...Em que a barreira das fronteiras foi um estimulo para continuar, em que a vontade foi para sonhar mesmo em tempo de maré baixa!

(Ele:)
''O olhar fixo na espuma do café sob o sol que tornara-se frio em comparação ao gosto quente que invadiu a boca e contornou os lábios: espuma tomando o espaço dos vapores que são avisos de possíveis erupções; a espuma em torno na chávena e o repentino desejo de sorver cada gota de café como se fosse o último de uma vida. A colher raspando a borda da chávena em círculos, afundando milímetro por milímetro até tocar levemente a superfície e fingir que desiste só para recomeçar muitas vezes, cada vez permitindo-se aprofundar mais um pouco. A vontade e a sensação quente aumentando, a colher coberta da espuma que transbordou e colou por todos os lados e cada vez mais espuma sendo produzida pelos mesmos movimentos ritmados da colher que mergulha e vem à tona muitas vezes até que a última gota finalmente é sorvida como quem mata a sede de um deserto.''

(DIANA VELSO:)
Sede saciada temporariamente no gosto de café que ainda perdura na boca...
A vontade de repetir todos os movimentos, de sugar toda a espuma, de aprofundar o sabor, de sentir a transpiração... Suar só em pensar!E alimentar-se de provas e amarras de tudo o que a geografia ensinou naquela noite! (Como quero ser conscientemente ignorante para assistir a mais uma aula!)
A água transbordava no momento, o mar estava cheio de desejos e vontades era imprescindível a presença para o nível da água regularizar, para a sede disfarçadamente acalmar...
Movimento Cíclico prendido no som das ondas do mar...
Voltamos a encher a chávena de café e voltamos a baloiçar e sobrevoar a colher de aço ritmada!... (sedes insaciáveis!)

(''Ele'':'')
A lua de olhares maldosos e pronta a aplicar torturas naquele que estava sob a sua luz (raios que incidem sobre o branco da felina estendido sobre as falsas, mas eficazes, ondas do mar de quatro cantos). O vinho a brotar das montanhas e a descer precipícios, atravessando planícies, descendo seus afluentes para encharcar as fendas de uma geografia sinuosa e repleta de misteriosos caminhos. O gosto dos calores subterrâneos chegando à superfície, a aquosidade delicada e consistente que faz com que a presa escorregue, não por acidente, mas por causa do magnetismo e vontade incontrolável. Uma mistura indissociável de mãos, peles, suores e rumores. A geografia sendo explicada nos mínimos detalhes, o guia a levar pela mão a aprendiz para que sejam descritos todos os acidentes da paisagem: acidentes sobre acidentes, a sede que não sacia mesmo que a boca afoita prove e clame por mais do que beber.

(DIANA VELOSO:)
Colisão das maiores catástrofes naturais que alguma vez eu imaginara observar... Eram vulcões aos vómitos, eram furacões rugindo, eram tsunami de vontades espalhados pelos cantos do desejo que fervilhava naqueles dois corpos nus á mercê um do outro! A violência dos astros conspirando para não terminar, mesmo sabendo que seria apenas temporariamente...
A delicadeza da pele? Já não existia!... Era uma pele branca manchada de vermelho vivo e tatuada por unhas cravadas em cada poro exposto á vontade...
Entre turista e guia a diferença não era notada, ambos trabalhavam ardentemente na exploração daquela sede. Ambos sabiam que depois de entrar no sonho, o acesso à porta do regresso seria difícil (ou até mesmo impossível) de alcançar!

Diana Veloso & José Roldão

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

PORTA ENTREABERTA (Escritos intemporais)


(Ele - 17/5 às 15:28)
Ela saiu para ver a chuva e deixou a porta aberta. Puxou de um cigarro e ficou à frente de casa com os olhos cinzas fixos nas gotas que tocavam uma canção na calçada. Passam-se horas e densidades de chuva enquanto ela permanece ali e um indivíduo, que estava do outro lado da rua a ouvir a mesma canção, faz movimentos com as mãos na fumaça de seu próprio cigarro e apodera-se do vento num ato mágico. Não foi sem maldade nos lábios que soprou uma mensagem que chegasse ao outro lado da rua.
Ela havia deixado a porta entreaberta e foi de assalto que ele entrou no prédio, subiu os degraus e atravessou o santuário daquela alma. Ela vinha envolta na mesma fumaça do cigarro e trazia os cabelos molhados. Deixava para trás rios de chuva pelo chão. Deitaram-se no sofá da sala e ela cantou muitas canções para ele enquanto riscava com o seu dedo estrelas cadentes no fumo de ambos. Choveu a noite inteira. E parecia uma chuva de séculos.

(Diana Veloso - 17/5 às 15:37)
Ela cantou até sua voz ficar rouca, cantou para ele todas as canções que conhecia. Ele, parado admirando a prosa dos seus lábios e acariciando-lhe o mesmo cabelo molhado trazido da chuva de outrora.
O cabelo foi secando, a fala enfraquecendo e os olhos dela foram ao encontro do rosto dele despedindo-se com um beijo e ingenuamente dizendo-lhe: ''Posso deitar em teu peito?''

(Ele - 17/5 às 15:44)
Ele não respondeu, simplesmente pôs os dedos nos labirintos do cabelo dela e levemente a trouxe para si, encostando-a ao seu peito. Fez-lhe delicados carinhos naqueles labirintos e depois, quando já sentia a pele branca e ainda molhada da chuva arrepiar-se, levantou-a e sussurrou-lhe ao ouvido: "Dá-me um raio, que dou-te o som do trovão". Os olhos dela pareciam uma tempestade.

(Diana Veloso- 17/5 às 15:54)
Suas taças inundadas já pelo sentimento que lhe corria nas veias, respondeu baixinho (e ainda de voz rouca): ''Não precisas de me dar um trovão, tu já me trouxeste a tempestade...'' Encostou fortemente a sua face no peito nu acom-panhada por lágrimas despedidas de felicidade.
Sem o dizer, apenas comentou para a sua alma: ''o tempo podia parar aqui''

(Ele - 17/5 às 16:08)
O relógio invisível do tempo obedeceu às suas ordens secretas. Com o dedo ele riscava o trajecto de cada lágrima sobre o corpo e foi carregado através da correnteza dos veios de chuva que transbordavam daquelas taças. Em seguida inundou os lábios ao beijar os dois olhos dela e sentiu o gosto frio e inebriante da sua pele. Pensou para si mesmo: "Todos os tempos de uma só vez nestes olhos: uma eternidade de silêncio e o mundo não existe mais". Lá fora, a chuva acendeu seus raios e lançou seus trovões a ecoarem, não se sabe se pelo mundo ou pela casa.

(Diana Veloso - 17/5 às 16:20)
Ela, com o coração em chama desenhava com as suas lágrimas o mapa dos dedos dele...
De olhos fechados para o relógio, começou a beber insaciantemente aquele momento e numa atitude de louca come-çou a molhar-se na sua própria chuva...
Ele, surpreso responde: ''Que estás a fazer?''
Ela sorrindo diz: ''Sentido o que deixaste à porta do meu santuário''

(Ele - 17/5 às 16:51)
Ele, surpreso e ao mesmo tempo ansioso por provar a chuva que caíra à porta do santuário, passa a testar a densidade da pele que tinha a sua frente: montes e vales, rios e vulcões, poesias escritas nos poros e canções que ao invés de notas são tremores. O caminho que chega à porta do santuário não é longo, mas ele prefere marcar passo-a-passo aquelas extensões e por vezes deita-se para ouvir o pulsar daquele solo. Quanto mais se aproxima do santuário, mais forte é o pulsar daquele mundo que desbrava. Torna-se cada vez mais difícil manter-se de pé, tamanha a chuva que cai e junta-se ao solo já húmido. Depois de tentar prolongar ao máximo possível aquele trajecto, deixa-se correr até à porta do santuário. Ao chegar ali, já com a respiração na velocidade do pulsar daquela pele que desbrava, diz ao vento: "Estou pronto para entrar no abismo". Em seguida, abre a porta do santuário e entra, tocando cada parte molhada pela chuva. Raios e trovões ensurdecem aos dois e tremores balançam as fundações da terra.

(Diana Veloso - 17/5 às 18:41)
Ela, escutando o som de cada passo pisado na sua chuva treme de ansiedade momentânea... Consciente do sonho, desta vez deixa a porta do seu santuário aberta para que ele a descubra envolvida nas melodias de suas prosas. Com um ar de gozo, abre bruscamente os seus olhos de felino somente para apreciar a vulnerabilidade da sua presa! Essa, motivo das suas poesias, afasta-se da chuva com receio, mas ao mesmo tempo podia-se notar de longe a vontade daquele animal de voltar para os seus braços. O felino, o mais temido no sonho disfarça a timidez de partilhar o mesmo desejo numa gargalhada de eco infinito. Por breves momentos, o som ouvia-se longe! Apenas o som da gota que caia no chão...Tinham sido eles, gélidos corpos imóveis no chão que fizeram com que o relógio para-se. Duas almas apenas vestidas com abraços da madrugada.

(Ele - 17/5 às 19:09)
Ele acordou na calçada sem a noção das horas. O corpo encharcado e a respiração ofegante, mas não conseguia entender porque estava ali, na calçada do outro lado da rua. Passou a mão molhada pelos cabelos e a sua visão ainda ficou por alguns momentos confusa: seria por causa da chuva que continuava a cair no seu rosto ou por conta dos sonhos tão reais que ainda corriam sobre sua pele? Ela já não estava do outro lado da rua. Por instantes pensou vê-la fechando as cortinas das janelas no primeiro andar do prédio, como se estivesse à espreita, esperando que ele acor-dasse (voltasse a si?), mas não soube dizer se a tinha visto mesmo ou se era ainda algum vestígio do sonho que teve. Sentou na calçada e jogou o cabelo para trás. Foi quando olhou para o chão ao seu lado e encontrou um desenho seu em grafite, mas no desenho ele tinha asas coloridas. Olhou para o desenho mais alguns instantes e olhou para a janela do apartamento do outro lado da rua. Deu um sorriso de lado, levantou-se e seguiu o seu caminho. Depois daquele sonho, já não sabia ao certo para onde ir...